segunda-feira, 30 de julho de 2012

SONETO LXXXVIII

Quando me tratas mau e, desprezado,
Sinto que o meu valor vês com desdém,
Lutando contra mim, fico a teu lado
E, inda perjuro, provo que és um bem.

Conhecendo melhor meus próprios erros,
A te apoiar te ponho a par da história
De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.

Mas lucro também tiro desse ofício:
Curvando sobre ti amor tamanho,
Mal que me faço me traz benefício,

Pois o que ganhas duas vezes ganho.
Assim é o meu amor e a ti o reporto:
Por ti todas as culpas eu suporto.


William Shakespeare

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Vingança Boba



Ah, minha criança, minha vingança é boba
Passei a vida te esperando, entende?
Quando eu te escondo o jogo
Quando eu te trato mal
É tudo medo, é tudo medo do amor

Que me entristece, que me enlouquece sempre
Mas é de verdade, é liberdade, esquece
Tudo na vida volta
Tudo na vida vai
Tá tudo em cima, tá tudo lindo agora
A gente junto, o mundo que vá embora
Com suas juras falsas
Com seus anúncios falsos

Tá tudo OK, tá tudo na boa agora
A gente chora, a gente ri, tem hora
Hora pra tudo, hora pra ir embora
Hora pra ir embora

Cazuza

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
— E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
— E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos
Com que iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!


Florbela Espanca

terça-feira, 24 de julho de 2012

Frescura


Ah a frescura na face de não cumprir um dever!  
Faltar é positivamente estar no campo!  
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!  
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,  
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,  
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que'eu saberia que não vinha.  
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.  
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.  
E tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,  
Deliberadamente à mesma hora...  
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.  
É tão engraçada esta parte assistente da vida!  
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,  
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.


Fernando Pessoa

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Ela

Quem és tu que me atormentas
Com teus prazenteiros sorrisos?
Quem és tu que me apontas
As portas dos paraísos?
Imagem do céu és tu?
És filha da divindade?
Ou vens prender em teus cabelos
A minha liberdade?



Machado de Assis

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Flecha Cega

...e ter ainda uma porrada de saques e jogadas brilhantes: te ganho pela insistência com todas as bandeiras e saltos mortais, demências todos os modos de ter por enquanto de te flechar feito flecha cega: eu miro o índio que sou no teu ser e alcança apenas pequenas viagens sóbrias sem carnaval nem samba, é óbvio óbvio que somos parecidos nessa mania de se descartar rápido de tudo quando me encargo de sintonizar a vida e desligo rádios, carros e aviso: se prepare porque hoje estou meio impreciso longe e me doem entranhas, braço e cabeça...

Cazuza