segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Coração Perdido

Buscas debalde o meigo passarinho
Que te fugiu;
Como quer que isso foi, o coitadinho
No brando ninho
Já não dormiu.

O coitado abafava na gaiola,
Faltava-lhe o ar;
Como foge um menino de uma escola,
O mariola
Deitou-se a andar.

Demais, o pobrezito nem sustento
Podia ter;
Nesse triste e cruel recolhimento
O simples vento
Não é viver.

Não te arrepeles. Dá de mão ao pranto;
Isso que tem?
Eu sei que ele fazia o teu encanto;
Mas chorar tanto
Não te convém.

Nem vás agora armar ao bandoleiro
Um alçapão;
Passarinho que sendo prisioneiro
Fugiu matreiro
Não volta, não!

Machado de Assis

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Tri - Milton Nascimento

É com muita alegria que acabo de acompanhar mais um título brasileiro do Cruzeiro. Sem dúvida, uma das mais bonitas campanhas de todos os tempos. E, com a conquista de mais esse campeonato, é impossível não lembrar de outros acontecimentos que muito me marcaram. Um deles, sem dúvida, foi o campeonato de 2003, com o maestro Alex jogando muito, mágico! Na semana passada, depois de uma turnê em algumas cidades da Europa, passei um tempo descansando em Lisboa e fui levado por um de meus filhos até a casa do Luisão, outro jogador extremamente importante naquela conquista. Juntos, relembramos vários momentos desse título, e Luisão me contou histórias maravilhosas daquele ano.

Eu ainda não o conhecia pessoalmente, mas fiquei muito impressionado com a cordialidade, a simpatia e a humildade desse que é um dos melhores (e mais respeitados) zagueiros do mundo. Segundo ele, o Cruzeiro é uma marca que jamais vai sair da sua vida, nunca. Na despedida, como não poderia deixar de ser, desejamos boa sorte um ao outro pelo título. E deu certo, resultado: Cruzeiro campeão de 2013! Mas esse campeonato também me fez lembrar de outro grande companheiro: Tostão, "a fera de ouro". Um dos jogadores mais brilhantes de todos os tempos. É com muita honra que tive a chance de fazer a trilha sonora para um filme que foi feito sobre ele no começo dos anos 1970. A música-tema, "Tostão", continua fazendo a cabeça de muita gente pelo mundo. Me lembro até hoje das partidas épicas que ele jogou, tanto pelo Cruzeiro quanto pela seleção brasileira. Tostão é gênio! Dentro de campo, incontestável, fora dele, imprevísivel! Sem dúvida nenhuma ele é hoje um dos maiores cronistas do Brasil. Tostão, meu amigo, esse campeonato também tem muito de você nele!

Outra grande alegria do Cruzeiro na minha vida foi quando fui nomeado Embaixador Internacional do clube. Função essa que levo muito a sério, pois em todos os lugares que eu vou, quando o assunto é futebol, nunca deixo de falar desse cargo tão importante para mim. E, sinceramente, espero ainda poder representar durante muito tempo meu clube mundo afora. De uns tempos para cá, fiquei ainda mais próximo da Toca da Raposa, onde sempre fui muito bem tratado. Durante o ano inteiro recebi camisetas e fui convidado pelo presidente a comparecer em várias partidas, mas infelizmente minha agenda de shows nunca batia com os jogos do time. Mas, nem por isso, eu deixava de acompanhar as partidas, não importa o lugar onde estivesse.

Sendo assim, não posso terminar esse texto sem antes falar de uma das pessoas mais importantes nessa conquista: Marcelo Oliveira, comandante que teve que superar inúmeras barreiras para chegar até aqui. Sua generosidade, calma e humildade foram fundamentais para acertar o time. Eu também poderia citar pelo menos uns dez jogadores do elenco que jogaram muito em 2013, mas prefiro (por justiça) parabenizar a todos que participaram dessa campanha histórica e emocionante. Do roupeiro, passando pelos seguranças, assessores até o massagista, não podemos esquecer que o trabalho deles também é nobre, digno de aplausos e imprescindível para o clube.
É por isso que eu digo:

Cruzeiro, estou fechado contigo!


Milton Nascimento




quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O poeta

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.

Rainer Maria Rilke

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Oscar Wilde

Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho certeza.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Cidade mulher

Cidade de amor e ventura
Que tem mais doçura
Que uma ilusão
Cidade mais bela que o sorriso
Maior que o paraíso
Melhor que a tentação
Cidade que ninguém resiste
Na beleza triste
De um samba-canção
Cidade de flores sem abrolhos
Que encantando nossos olhos
Prende o nosso coração

Cidade notável
Inimitável
Maior e mais bela que outra qualquer
Cidade sensível
Irresistível
Cidade do amor, cidade mulher

Cidade de sonho e grandeza
Que guarda riqueza
Na terra e no mar
Cidade do céu sempre azulado
Teu sol é namorado
Das noites de luar
Cidade padrão de beleza
Foi a natureza
Quem te protegeu
Cidade de amores sem pecado
Foi juntinho ao Corcovado
Que Jesus Cristo nasceu


Noel Rosa

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.


Manuel Bandeira

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

SONETO LXV

Se a morte predomina na bravura
Do bronze, pedra, terra e imenso mar,
Pode sobreviver a formosura,
Tendo da flor a força a devastar?
Como pode o aroma do verão
Deter o forte assédio destes dias,
Se portas de aço e duras rochas não
Podem vencer do Tempo a tirania?
Onde ocultar - meditação atroz -
O ouro que o Tempo quer em sua arca?
Que mão pode deter seu pé veloz,
Ou que beleza o Tempo não demarca?
Nenhuma! A menos que este meu amor
Em negra tinta guarde o seu fulgor.


William Shakespeare

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Fiz pra você

Tomo-te a noite em meus sonhos...
um abraço, enquanto me chamas de amor.

Involuntariamente, nesta vida encontrei
minha rainha, no peito de teu rei.

Em meu trono de labuta e rotina,
A punho conjugo lealdade e a teu amor milito.

Despojo a ti minha coroa e riqueza,
Minha veste e meu nome tão inútil.

A espada pesada descanso a te escrever...
E antes da noite padecer mais uma vez,

Ei de morrer em teus lábios.

Igor Moreira

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Vive

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


Alberto Caeiro

sábado, 21 de setembro de 2013

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Resposta a um poema


A instável, viva multidão vermelho-púrpura,
e ao sol, serena solidão: o meu poema
Nenhum desejo – a breve fama, o amor urgente
Da fortaleza nasce um canto, ao mais profundo
Agradecida, à simples clara flor inclino-me
Viver reclusa e só, entregue a esta procura
é todo encontro superar em amor mais puro
como elevar-se entre montanhas basta ao pínus



Tan Xiao

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Meu caro Pires Brandão


Menos Brandão que brandura,
Pois de "Brandão" tens a cera
Ao lhe dar molde e feição
Fecho o parênteses, mau!
Não me sai isto a contento,
A frase é banal, sem jeito,
E se és amigo do peito,
Dá com o que peço um quinau,
Pois hoje sofro o tormento
De não ter um "nicolau"!
Como os tempos são cruéis
Para mim por estes meses,
Eu já não sei o que faça,
A não ser que na desgraça,
Me valham amigos fiéis!
Salva o Emílio de Menezes,
Brandão, com vinte mil-réis.


A pobreza.
De acordo.

A necessidade.
E eu que o diga.



POESIA SATÍRICA E VERSOS DE CIRCUNSTANCIA
Emílio de Menezes

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Letanía del ciego

Soy como un ciego 
RUBÉN DARÍO 

Y tú que tanto amas, tanto ríes,
tanto adivinas y conoces tanto,
¿dónde el escudo para que te fíes,
dónde el pañuelo de enjugar tu llanto?
¿Dónde el camino que no veo ahora?
Dímelo o llora y el mirar suprime.
¿Es ya la noche que no tiene aurora?
Dímelo, dime.
Y sin embargo tu vivir empaña
mi vivir con un vaho que es ternura,
que es caliente rumor que me acompaña
la noche oscura.
Y sin embargo con tu mano guías
y a tientas toco lo que apenas veo
y digo acaso para que sonrías
lo que no creo.
Y toco apenas y tu bulto aprendo
y torpe sigo lo que tú me indicas.
Lo que no miro, lo que no comprendo,
tú multiplicas.
Tú multiplicas, o quizás es tu invento
porque lo vea aunque quizá no exista.
Entre la noche de mi pensamiento
dulce es tu vista.
Dulce es tu vista, tu mirar risueño
que mira un llano donde estaba un monte
y que a mi alma de temblor pequeño
llamó horizonte.
Dulce es tu vista que miró aquel lago
y lo llamaba alegre mar bravío.
Tu generoso corazón es mago. ¡Lo fuese el mío!

Carlos Bousoño

De «Noche del sentido» (1957)

11/09


terça-feira, 10 de setembro de 2013

O casamento do diabo


(Imitação do alemão)


SATÃ TEVE um dia a idéia
De casar. Que original!
Queria mulher não feia,
Virgem corpo, alma leal.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fira do que tu.

Resolvido no projeto,
Para vê-lo realizar,
Quis procurar objeto
Próprio do seu paladar.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana.
É mais fina do que tu.

Cortou unhas, cortou rabo,
Cortou as pontas, e após
Saiu o nosso diabo
Como o herói dos heróis.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que à mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Casar era a sua dita;
Correu por terra e por mar,
Encontrou mulher bonita
E tratou de a requestar.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Ele quis, ela queria,
Puseram mão sobre mão,
E na melhor harmonia
Verificou-se a união.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fira do que tu.

Passou-se um ano, e ao diabo,
Não lhe cresceram por fim,
Nem as unhas, nem o rabo...
Mas as pontas, essas sim.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.



Poesias dispersas, 
Machado de Assis

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Estâncias

Eu lembro-me de ti que és minha vida,
Último alívio neste mundo insano,
Anjo da guarda que à minh’alma aflita
Pudera as trevas espancar com as asas,
Lavar-lhe as manchas num Jordão de lágrimas!


Fagundes Varella

terça-feira, 3 de setembro de 2013

IDÉIAS ÍNTIMAS

                     VIII

O pobre leito meu desfeito ainda
A febre aponta da noturna insônia.
Aqui lânguido a noite debati-me
Em vãos delírios anelando um beijo...
E a donzela ideal nos róseos lábios,
No doce berço do moreno seio
Minha vida embalou estremecendo. . .
Foram sonhos contudo. A minha vida
Se esgota em ilusões. E quando a fada
Que diviniza meu pensar ardente
Um instante em seus braços me descansa
E roça a medo em meus ardentes lábios
Um beijo que de amor me turva os olhos.
Me ateia o sangue, me enlanguesce a fronte,
Um espírito negro me desperta,
O encanto do meu sonho se evapora
E das nuvens de nácar da ventura
Rolo tremendo à solidão da vida!


Poemas Malditos,
Álvares de Azevedo

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Fuego Mudo

A veces el silencio
convoca algarabías
parodias de coraje
espejismos de duende
tangos a contrapelo
desconsoladas rabias
pregones de la muerte
sed y hambre de vos

pero otras veces es
solamente silencio
soledad como un roble
desierto sin oasis
nave desarbolada
tristeza que gotea
alrededor de escombros
fuego mudo


Mario Benedetti

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Deixei de ser aquele que esperava

Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.

A seta treme, pois que, na ampla aljava,
O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.

Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.

Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.


Fernando Pessoa

domingo, 18 de agosto de 2013

Das cousas

Quanto, mais compreendo o entendimento,
Das cousas deste mundo, dos céus,
e com certeza das estrelas; Admito a grandeza,  
a distância, e o meu lugar, neste universo.


Igor Moreira

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O povo ao poder

Quando nas praças s'eleva
Do Povo a sublime voz...
Um raio ilumina a treva
O Cristo assombra o algoz...
Que o gigante da calçada
De pé sobre a barrica
Desgrenhado, enorme, nu
Em Roma é catão ou Mário,
É Jesus sobre o Cálvario,
É Garibaldi ou Kosshut.

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!... pois quereis a praça?

Desgraçada a populaça
Só tem a rua seu...
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
Na tortura, na fogueira...
Nas tocas da inquisição
Chiava o ferro na carne
Porém gritava a aflição.

Pois bem...nest'hora poluta
Nós bebemos a cicuta
Sufocados no estertor;
Deixai-nos soltar um grito
Que topando no infinito
Talvez desperte o Senhor.

A palavra! Vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.

Mas qu'infâmia! Ai, velha Roma,
Ai cidade de Vendoma,
Ai mundos de cem heróis,
Dizei, cidades de pedra,
Onde a liberdade medra
Do porvir aos arrebóis.

Dizei, quando a voz dos Gracos
Tapou a destra da lei?
Onde a toga tribunícia
Foi calcada aos pés do rei?
Fala, soberba Inglaterra,
Do sul ao teu pobre irmão;

Dos teus tribunos que é feito?
Tu guarda-os no largo peito
Não no lodo da prisão.
No entanto em sombras tremendas
Descansa extinta a nação
Fria e treda como o morto.

E vós, que sentis-lhes os pulso
Apenas tremer convulso
Nas extremas contorções...
Não deixais que o filho louco
Grite "oh! Mãe, descansa um pouco
Sobre os nossos corações".

Mas embalde... Que o direito
Não é pasto de punhal.
Nem a patas de cavalos
Se faz um crime legal...
Ah! Não há muitos setembros,
Da plebe doem os membros
No chicote do poder,
E o momento é malfadado
Quando o povo ensangüentado
Diz: já não posso sofrer.

Pois bem! Nós que caminhamos
Do futuro para a luz,
Nós que o Calvário escalamos
Levando nos ombros a cruz,
Que do presente no escuro
Só temos fé no futuro,
Como alvorada do bem,
Como Laocoonte esmagado
Morreremos coroado
Erguendo os olhos além.

Irmão da terra da América,
Filhos do solo da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz...
Ai! Soberba populaça,
Dos nossos velhos Catões,
Lançai um protesto, ó povo,
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações.


Recife, 1864
POESIAS COLIGIDAS
Castro Alves

terça-feira, 13 de agosto de 2013

ROBESPIERRE

Alma inquebrável _ bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente,
De seu cérebro audaz, a luz ardente
É que gerava a treva do Terror!
Embuçado num lívido fulgor
Su'alma colossal, cruel, potente,
Rompe as idades, lúgubre, tremente,
Cheia de glórias, maldições e dor!
Há muito que, soberba, ess'alma ardida
Afogou-se cruenta e destemida
_ Num dilúvio de luz: Noventa e três...
Há muito já que emudeceu na história
Mas ainda hoje a sua atroz memória
É o pesado mais cruel dos reis!...


[1883]
Euclides da Cunha

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Para quê?!

Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!
Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão! ...
Beijos de amor! Pra quê?! ... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!
Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta! ...


Florbela Espanca

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

EMBRIAGUEM-SE

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso".

Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.


Charles Pierre Baudelaire

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.


Pablo Neruda

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ela

Ainda não sei dizer se eu a encontrei,
Ou se ela me encontrou.
O que sei é que ela tem nome,
Caminha pelas ruas de Belo Horizonte
E tem lindos olhos castanhos.

Igor Moreira

domingo, 23 de junho de 2013

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

terça-feira, 18 de junho de 2013


Recado

É melhor tentar e falhar,
que preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda que em vão que sentar-se, fazendo nada até o final.

Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder.
Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver.

Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã,
ainda assim plantaria a minha macieira.
O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos.

Temos aprendido a voar como os pássaros,
a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.

O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética...O que me preocupa é o silêncio dos bons.

Cada dia é o dia do julgamento, e nós, com nossos atos e nossas palavras,
com nosso silêncio e nossa voz, vamos escrevendo continuamente o livro da vida.

A luz veio ao mundo e cada um de nós deve decidir se quer caminhar na luz do altruísmo construtivo ou nas trevas do egoísmo.Portanto, a mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é: O que fiz hoje pelos outros?

Eu também sou vítima de sonhos adiados, de esperanças dilaceradas, mas, apesar disso, eu ainda tenho um sonho, porque a gente não pode desistir da vida.



Martin Luther King

terça-feira, 28 de maio de 2013

O artista


Uma noite veio à sua alma o desejo de criar uma imagem d “O Prazer que
durava um Momento”. E ele foi pelo mundo para procurar por bronze. Pois
ele podia apenas pensar em bronze.
Mas todo o bronze do mundo inteiro havia desaparecido, nem existia em
lugar algum do mundo inteiro bronze a ser achado, exceto pelo bronze da
imagem d “O Sofrimento que resistia para Sempre”.
Essa imagem ele mesmo tinha, e com suas próprias mãos, criado, e havia
colocado sobre a tumba da única coisa que ele havia amado na vida. Na
tumba da coisa morta que ele mais amara ele colocou essa imagem criada
por ele, para que servisse como um símbolo do amor do homem que não
morria, e um símbolo da dor do homem que resistia eternamente. E no
mundo inteiro não havia outro bronze, salvo o bronze dessa imagem.
E ele pegou a imagem que ele havia criado, e a colocou numa grande
fornalha, e a deu ao fogo.
E do bronze da imagem d “O Sofrimento que resistia para Sempre” ele
criou uma imagem d “O Prazer que durava um Momento”.


Poemas em Prosa
Oscar Wilde

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Se Eu Morrer Novo

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.


Poemas Inconjuntos
Alberto Caeiro

quinta-feira, 23 de maio de 2013

SER POETA

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

terça-feira, 21 de maio de 2013

ORGULHO DE SER CRUZEIRENSE!

Um time que sabe vencer desafios.
Um portento cuja força começa na camisa, com suas cinco estrelas eternas.
Hoje, perdemos o campeonato para um time que é o nosso oposto.
Sim, um time que está junto há muito tempo e que, hoje, joga melhor do que nós.
Mas também um time que precisa ter algo do seu lado para que vença:
vantagem de um jogador,
caldeirão pequeno com torcida única,
juízes mal intencionados,
imprensa torcedora.
Hoje, quando este adversário não teve nada disso a seu favor (a não ser o último item, que quase morreu do coração durante o primeiro tempo!), não conseguiu vencer.
Levou, mas não venceu!
Venceu quem está se preparando para o futuro.
Quem está se preparando para dizer com orgulho e paixão:


-RESPEITO, EU SOU CRUZEIRO!

Edmundo De Novaes Gomes



RIMAS

Ontem _ quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixão _ louca _ suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida _ gélida _ prendias...

Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema...
_ Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quanto tu te rias...

Hoje, que vivo desse amor ansioso
E és minha _ és minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tão ditoso!

E tremo e choro _ pressentindo _ forte _,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida _ que é a morte...

[1885]

Euclides da Cunha

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Camilo Castelo Branco

"A amante que chora o amante que teve, na presença do amante que se lhe oferece, quer persuadir o segundo que é arrastada ao crime pela ingratidão do primeiro."

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Minha Finalidade


Turbilhão teleológico incoercível,
Que força alguma inibitória acalma,
Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o Inapreensível!
Predeterminação imprescritível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferência o Horrível!
Na canonização emocionante
Da dor humana, sou maior que Dante,
-- A águia dos latifúndios florentinos!
Sistematizo, soluçando, o Inferno...
E trago em mim, num sincronismo eterno,
A fórmula do todos os destinos!

Augusto dos Anjos

terça-feira, 7 de maio de 2013

A 'sperança, como um fósforo inda aceso

A 'sperança, como um fósforo inda aceso,
Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso.
A falha social do meu destino
Reconheci, como um mendigo preso.
Cada dia me traz com que 'sperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa de Esperança ...
Mas viver é sperar e se cansar.
O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança e gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.
Quanta ache vingança contra o fado
Nem deu o verso que a dissesse, e o dado
Rolou da mesa abaixo, oculta a conta.
Nem o buscou o jogador cansado.


Fernando Pessoa

terça-feira, 9 de abril de 2013

Humildade

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.

E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa

Cora Coralina

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Pequeno Príncipe

Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...

Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Remorso

Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!


Olavo Bilac

quarta-feira, 27 de março de 2013

O sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.


Clarice Lispector

segunda-feira, 25 de março de 2013

A Flauta-Vértebra

Prólogo

A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila, veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
Esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras.


Vladimir Maiakóvski

quarta-feira, 20 de março de 2013

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...


Cecília Meireles

segunda-feira, 18 de março de 2013

O meu nirvana

No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!


Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéa Soberana!


Destruída a sensação que oriunda fora
Do tacto — ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéas —


Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéas!


Augusto dos Anjos

terça-feira, 5 de março de 2013

Soneto V

Carregado de mim ando no mundo,

E o grande peso embarga-me as passadas,

Que como ando por vias desusadas,

Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.



O remédio será seguir o imundo

Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,

Que as bestas andam juntas mais ornadas,

Do que anda só o engenho mais profundo.



Não é fácil viver entre os insanos,

Erra, quem presumir, que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.



O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo em mar de enganos

Ser louco cos demais, que ser sisudo


Gregório de Matos

sexta-feira, 1 de março de 2013

Sâm


Se não bastasse seus verdejantes olhos;
Tuas lindas e loiras madeixas;
Esse corpo quente e macio;
Tens, como charme um impetuoso gênio.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Desamor

Musa de minha inspiração,
Corta me o peito o desamor.
Para mim restam as palavras,
E a ti, minha poesia.


Igor Moreira

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Engano


Uma noite de um dia, um mês, um ano...
Das vontades, alheias a minha, repito;
Não te espantes, não mais, pois sei o que digo;
De nós, quem padece és tu, coração mundano...

Igor Moreira



sábado, 23 de fevereiro de 2013

As Índias

Se a atração da ventura os sonhos te arrebata,
Conquistador, ao largo! A tua alma sedenta
Quer a glória, a conquista, o perigo, a tormenta?
Ao largo! saciarás a ambição que te mata!

Bela, verás surgir, da água azul que a retrata,
Catai, a cujos pés o mar em flor rebenta;
E Cipango verás, fabulosa e opulenta,
Apunhalando o céu com as torres de ouro e prata.

Pisarás com desprezo as pérolas mais belas!
De mirra, de marfim, de incenso carregadas,
Se arrastarão, arfando, as tuas caravelas.

E, a aclamar-te Senhor das Terras e dos Mares,
Os régulos e os reis das ilhas conquistadas
Se humilharão, beijando o solo que pisares...

Olavo Bilac

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

SAUDADES

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!
Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.
Então – proscrito e sozinho –
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra.
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
– Saudades – dos meus amores,
– Saudades – da minha terra !
....1856

Casimiro de Abreu

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
- Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.
De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.
Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!
E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

Olavo Bilac

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Retalhos de Cetim

Ensaiei meu samba o ano inteiro,
Comprei surdo e tamborim.
Gastei tudo em fantasia,
Era só o que eu queria.
E ela jurou desfilar pra mim,
Minha escola estava tão bonita.
Era tudo o que eu queria ver,
Em retalhos de cetim.
Eu dormi o ano inteiro,
E ela jurou desfilar pra mim.
Mas chegou o carnaval,
E ela não desfilou,
Eu chorei na avenida, eu chorei.
Não pensei que mentia a cabrocha,que eu tanto amei.




Benito Di Paula

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

Santa Maria

Uma noite de chamas,
Para centenas de vidas.
No sol da alvorada,
Olhares de despedida.

Igor Moreira

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Eros e Psique

Dedicado a Princesa Blás

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Do beijo

Do beijo: os lábios são como são! Huns gosto de morango, outros de melão.

Igor Moreira

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Monólogo de Orfeu

Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.
Vinicius de Moraes